Paraolimpíadas: a superação do limite
As pessoas
com deficiências tradicionalmente discriminados pela sociedade, e desmotivados
pela sua própria condição existencial, têm nas competições paraolímpicas uma
oportunidade para elevar sua auto-estima, direta ou indiretamente, além de
provar para todos o seu valor como atleta e cidadão.
Desde a XVI
Olimpíada, realizada em Roma, em 1960, imediatamente após as Olimpíadas, e nas
mesmas instalações são realizados as Paraolimpíadas ou os Jogos
Paraolímpicos. Em Roma, a I Paraolimpíada teve a participação de 400 atletas
e 23 delegações. Neste ano, em Atenas, na Grécia, as Paraolimpíadas vem
crescendo também de prestígio junto à mídia, e proporcionando oportunidades de
competição esportiva para aqueles que, superando as inúmeras dificuldades,
treinaram duramente para o evento internacional. Os jogos de 2004 atraíram 143
países e cerca de 4000 competidores
O Brasil em
Atenas competiu em 13 das 19 modalidades esportivas disputadas e obteve o 14º
lugar, com 14 medalhas de ouro, 12 de prata e 7 de bronze, totalizando 33
medalhas. O crescimento do esporte paraolímpico tem uma explicação simples:
financiamento, afirma o presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro, Vital
Severino Neto, que é deficiente visual. O Brasil levou a maior delegação para
competir em Atenas de todos os tempos, com 98 atletas, 77 homens e 21 mulheres.
Os atletas brasileiros nos jogos paraolímpicos bateram o recorde de medalhas se
for comparados com os atletas que participaram das olimpíadas/ 2004.
Atletíssimos
Clodoaldo Francisco
da Silva bateu o recordes e conquistou seis medalhas de ouro na natação.
Clodoaldo nasceu em Natal/RN, em 1979. Deficiente físico, em razão de paralisia
cerebral.
Roseane
Ferreira dos Santos, conhecida como Rosinha, também é uma colecionadora de
primeiros lugares. Ganhou três de ouro no Mundial da Nova Zelândia em 1999, três
medalhas de ouro no Pan-Americano do México, duas de ouro nas Paraolimpíadas de
Sydney em 2000. Em Atenas, alcançou o recorde mundial no lançamento do disco,
mas não obteve medalha devido ao sistema de pontuação realizado no agrupamento
de classes desta prova.
Contudo, a
maior glória das olimpíadas dos deficientes não está somente na conquista de
medalhas e na própria competição, está sobretudo no exemplo que esses atletas
passam para centenas de milhares que vivem estigmatizados por suas deficiências
físicas e mentais e sem perspectivas em suas casas. Mesmo quem não aspira ser
atleta, pelo menos pode encontrar inspiração e coragem em acompanhar as
notícias, onde termina se identificando com aqueles que superaram as inúmeras
dificuldades com muita luta, coragem, persistência e dedicação por algum
esporte. Saber que há pessoas que apesar das dificuldades de toda ordem foram à
luta e venceram no esporte, pode irradiar otimismo, levantar a auto-estima e
reorientar as perspectivas em muita gente.
A famosa
frase do Barão de Coubertin, hoje desgastada nas olimpíadas, parece ganhar mais
sentido como slogan dos atletas paraolímpicos, pois eles sabem e sentem
que realmente “o importante não é ganhar uma medalha, mas simplesmente
competir”. O atleta paraolímpico antes de competir nacional e internacionalmente
teve que competir com ele mesmo; sem dúvida, superar esse primeiro obstáculo
subjetivo não tem medalha que possa premiá-lo.
Cada
atleta uma história
Se cada um
dos atletas das olimpíadas tem sua história específica de sofrimentos e
superação dos seus próprios limites, cada atleta paraolímpico carrega uma
história de fazer filme para cinema. Existem aqueles que nasceram com
deficiência e aqueles que adquiriram uma deficiência ao longo da vida. Há
atletas com lesão medular, poliomielite, amputação de pernas e de braços,
deficiência visual e mental.
Rosinha, que
citamos acima, aos dezoito anos perdeu a perna esquerda quando um motorista de
caminhão alcoolizado avançou sobre calçada onde ela estava. Começou a praticar
esportes em 1977, depois de assistir alguns treinos a convite de um professor.
Suely Rodrigues Guimarães aos sete anos quando brincava na calçada de sua casa
também foi vítima de um motorista bêbado, perdendo as duas pernas e uma
amiguinha. Começou pela natação, depois o tênis de mesa, halterofilismo,
arremesso de peso, lançamento de disco e dardo. Tem nove medalhas de ouro em
pan-americanos, ouro e recorde mundial na Paraolimpíada de 1992, e em Atenas,
ouro no lançamento de disco. Heriberto Alvez Roca ficou paraplégico quando
disputava um racha, sentado no banco de trás do carro que capotou. Hoje é
jogador de basquete do Águia da Cadeira de Rodas de São Paulo e da Seleção
Brasileira que compete em Atenas.
Adria Rocha
dos Santos é deficiência visual. Aos 25 anos essa mineira soma quatro
Paraolimpíadas à sua carreira. Nesta última trouxe mais medalhas para aumentar
seu currículo, no atletismo, em provas de pista. Sua
deficiência visual é proveniente e uma doença chamada retinose pigmentar - sem
cura - que incide diretamente sobre a retina. Tal doença faz com que o portador
perca, aos poucos, a visão até que, em determinado estágio, fique totalmente
cego. Ádria já se encontra nesse estágio.
Os
critérios
As
Paraolimpíadas neste ano [2004] teve a participação apenas de atletas com
deficiência física e visual. Os atletas com deficiência auditiva desde 1996,
optaram por participara das Olimpíadas. À participação dos atletas com
deficiência mental foi suspensa até que a Associação Internacional de Desportos
para Deficientes Mentais – INAS-FID, responsável pelo sistema de classificação
destes atletas, estabeleça um critério eficiente de avaliação da deficiência
mental para garantir uma competição justa para todos os participantes. Em
Sidney, 2000, alguns atletas do time de basquetebol para deficientes mentais da
Espanha, não eram deficientes e competiram.
Os atletas
com deficiência física são classificados em cada modalidade esportiva através do
sistema de classificação funcional. Este sistema visa classificar os atletas com
diferentes deficiências físicas em um mesmo perfil funcional para a competição.
Tem como meta garantir que a conquista de uma medalha por um atleta seja fruto
de seu treinamento, experiência, motivação e não devido a vantagens obtidas pelo
tipo ou nível de sua deficiência. Na natação, são 10 classes para o nado de
costas, livre e golfinho, 10 classes para o medley e 9 classes para o peito. Os
atletas com deficiência visual, já passam por uma classificação médica, baseada
em sua capacidade visual. Entre os atletas com deficiência visual, há somente 3
classes. Apesar destas classificações serem aceitas pelo Comitê Paraolímpico
Internacional – IPC, existe muita polêmica em relação a estes sistemas e muitos
atletas são protestados durante as competições.
Somente o
bocha, o goalball, o rugby e o halterofilismo são modalidades que foram criadas
especificamente para a participação dos deficientes. De maneira geral as
adaptações das modalidades convencionais para a participação dos atletas com
deficiência são mínimas. Como é o caso das corridas com deficientes visuais, nas
classes T11 e T12 onde são permitidos guias.
A divulgação
dos Jogos Paraolímpicos fez com que ficássemos admirados, ou mesmo perplexos com
a performance de atletas em cadeira de rodas, no atletismo, no basquetebol, de
atletas cegos seguindo uma bola com guizo no futebol e de atletas sem braços e
pernas competindo na natação. Estas imagens, agora, devem ficar registradas para
repensarmos sobre nossas opiniões, conceitos e ações em relação a estas pessoas
que estão com certeza muito próximas de nós, mas que só adquirem visibilidade
social nesse tipo de competição. De acordo com os dados do CENSO 2000, o Brasil
tem cerca de 14,5% pessoas com deficiência, portanto, são demandantes de
projetos de inclusão social.
Paraolimpíada só, não basta...
Todos
reconhecem que à dimensão psíquica, física e social do esporte paraolímpico é
muito significativa para os atletas, mas também contribui para a construção de
um mundo verdadeiramente pluralista, que sabe respeitar e conviver com as
diferenças, sejam elas quais forem.
As pessoas
com deficiências física e mental não precisam de nossa pena, ou de nossa
compaixão, mas sim de estímulo, demonstração de apoio e de luta conjunta pela
democratização das oportunidades de acesso para além do âmbito dos jogos, para
que tenham uma existência cotidiana digna e feliz.